“Intervenção militar” no Ministério da Saúde e o genocídio de brasileiros


A Terra passa por um momento jamais vivido em 100 anos com a pandemia do novo coronavírus. Todos os dias os veículos de imprensa de todo mundo falam 24 horas nesse assunto.

No globo, mais de 13 de milhões de casos já foram registrados e cerca de 500 mil mortes aconteceram. No Brasil, esse número ultrapassa os 1 milhão e novecentos casos e mais de 75 mil brasileiros já perderam a guerra para covid-19.

Este número deixou o Brasil na segunda colocação do ranking mais triste da história, perdendo apenas para os Estados Unidos.

A covid trouxe a crise sanitária, econômica e política para o maior país da América Latina. Todo mundo precisou recuar para suas casas e ficar lá até a nova peste acabar. Mas não foi bem isso que aconteceu. O povo foi para rua e teve até protesto de gente da ‘direita’ e da ‘esquerda’.

A busca por uma solução rápida para um problema complicado que ninguém sabia como agia fez com que o então Ministro da Saúde, o médico Luiz Henrique Mandetta (DEM), deixasse o cargo. “Acabo de ouvir do presidente Jair Bolsonaro o aviso da minha demissão do Ministério da Saúde”, disse Mandetta na sua conta no Twitter.

Luiz Henrique Mandetta (Divulgação)
Surgiu a ideia de que a cloroquina e a hidroxicloroquina curava e o chefe maior da nação, presidente Jair Messias Bolsonaro, queria fazer o povo tomar para se livrar logo dessa covid-19. Resultado, pesquisas apontaram que o remédio não serve para curar a doença e um monte pessoas saíram se automedicando.

Após a queda de Mandetta, o médico oncologista Nelson Teich assume o cargo com a promessa de organizar um plano para conter a crise. Coitado dele, tudo foi em vão! O novo ministro não era informando das decisões do chefe, que queria a qualquer custo a cloroquina no protocolo de tratamento. A relação de durou apenas durou 27 dias. “A vida é feita de escolhas. E hoje eu escolhi sair,” disse o oncologista.

Nelson Teich (Divulgação)
Em 15 de maio, o general da ativa do Exercito, Eduardo Pazuello, assume o Ministério da Saúde interinamente e deveria passar apenas uma semana no cargo. Mas ele chegou com ar de ministro titular e logo colocou mais 20 militares da ativa para o assessoramento. Hoje, a Pasta conta com 25.

Militar entende de tiro, de fazer a segurança da nação, proteger fronteiras e cumprir única e exclusivamente a Constituição Federal. É impossível remediar a covid-19 com a arma de fogo, essa guerra tem outra arma.

No dia em que ele assumiu, o Brasil registrava 220.291 casos do novo coronavírus, com 14.962 mortes, de acordo com o Ministério da Saúde. O ministro interino logo tratou de realizar o desejo de Bolsonaro (teve até musiquinha) e recomentou o uso dos remédios hidroxocloroquina e cloroquina, no tratamento da ‘gripezinha’.

O que era para durar 7 dias, chega aos 60 e o número de mortes dos brasileiros chegou a mais de 75 mil nos últimos dias. Os militares da ativa se meteram nisso como políticos, mas quando foram criticados como políticos, responderam como militares. Vai entender...

Na verdade, Pazuello e seus soldados nem deveriam ter pisado na calçada do Ministério da Saúde, que dirá assumido a Pasta. Esse ato é contra a Constituição Federal, que prevê no Art 142, parágrafo 3, inciso II que o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei.

Ministro Interino da Saúde, Eduardo Pazuello (Divulgação)
Essa intervenção no Ministério comete genocídio dos brasileiros. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, disse que o Exército está se associando a um genocídio, em um debate promovido pela Revista IstoÉ.

Ele usou de uma hipérbole para chamar a atenção para o número de óbitos no país, embora penso que ele não deveria ter usado a figura de linguagem, porque o povo está morrendo e não há planos para conter a situação.

As palavras do ministro foram essas:

“Nós não podemos mais tolerar essa situação que se passa com o Ministério da Saúde. Pode ter tática, pode ter estratégia em relação a isso, mas é impossível! Não é aceitável que se tenha esse vazio no Ministério da Saúde. Pode-se até dizer: 'Ah, a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal; é atribuir a responsabilidade a estados e municípios. Se for essa a intenção, é preciso fazer alguma coisa. Isso é ruim! É péssimo para a imagem das Forças Armadas! É preciso dizer isto de maneira muito clara: o Exército está se associado a este genocídio. Não é razoável! Não é razoável para o Brasil! É preciso dizer. É preciso pôr fim a isto"

O Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, respondeu por meio de nota assinada por três comandantes das Forças Armadas, Edson Pujol (Exército), Ilques Barbosa Junior (Marinha) e Antônio Carlos Moretti Bermudez (Aeronáutica):

"Comentários dessa natureza, completamente afastados dos fatos, causam indignação. Trata-se de uma acusação grave, além de infundada, irresponsável e sobretudo leviana. O ataque gratuito a instituições de Estado não fortalece a democracia".

O ministro também lembra na nota que “genocídio é definido por lei como 'a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso' (Lei nº 2.889/1956). Trata-se de um crime gravíssimo, tanto no âmbito nacional, como na justiça internacional, o que, naturalmente, é de pleno conhecimento de um jurista”.

Como sempre, gerou uma confusão sem motivos. Os ânimos de alguns militares se exaltaram com um alerta que foi feito por Gilmar Mendes.

Ministro do STF, Gilmar Mendes (Divulgação)
Mas se a gente bem prestar atenção o próprio Fernando Azevedo ratificou o que Gilmar Mendes disse, porque não há plano no Ministério Saúde para salvar vidas no Brasil e não existe experiência com a coisa. É como colocar um eletricista para arrumar cano de água quebrado.

Para combater a pandemia, o Ministério da Saúde gastou menos de um terço dos quase R$40 bilhões liberados pelo Governo Federal para realizar ações de combate ao coronavírus. A informação é do Painel do Orçamento Federal, feito com base nos dados mais recentes do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento. A Pasta já utilizou apenas 11 bilhões e meio de reais, o que representa 29,03% do valor total.

A gestão desse valor reflete nos testes que chegam pela metade aos estados, na falta de leitos adequados para atender paciências e na falta de respiradores, indispensáveis para salvar quem está no estágio mais avançado da doença.

O valor investido até a agora mostra a incapacidade e a falta de experiência com a Saúde Pública Brasileira. Não tem como investir se não se sabe o que vai comprar. É como uma criança ir ao comércio e esquecer o que o pai ou a mãe pediu.

O Artigo 208, parágrafo único, inciso II do próprio Código Penal Militar diz que genocida é quem “submete o grupo a condições de existência, físicas ou morais, capazes de ocasionar a eliminação de todos os seus membros ou parte deles”.

De acordo com o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional genocídio é o "homicídios de membros do grupo; ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo".

Cabe perguntar: A falta de gestão do Ministério da Saúde e o mau uso do dinheiro destinado pelo Governo Federal para o combate ao coronavírus se configura genocídio? Tudo está sendo feito para culpar municípios e estados para que o Governo Federal saia ileso dessa parada?

O Tribunal da História vai cobrar as vidas que se perderam e as que se perderão com a pandemia. Mas não esqueça, a maior parte desse número é de gente preta e pobre assim como nós.


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